terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Contra a pilantragem acadêmica

O blog Espaço Aberto publicou, outro dia, uma postagem sobre a prática odiosa, condenável e repugnante de comprar trabalhos acadêmicos. Tem publicado, também, alguns comentários sobre ela. Também já me manifestei sobre isso aqui.
De acordo com os estagiários com os quais convivo que juram inocência , a prática está mais comum do que nunca, porque passou a ser uma estratégia rotineira para realizar trabalhos simples das disciplinas. O aumento da demanda impactou os preços: um trabalhinho valendo uns poucos pontos já pode custar 150 reais.
Como professor universitário, o tema é do meu maior interesse e, por isso, teço algumas considerações:

I Trabalhos de conclusão de curso
O golpe surgiu como uma forma de viabilizar as monografias de conclusão de curso, exigência curricular de toda instituição de ensino superior que se pretenda séria.
Vemos aí um detalhe interessante: este tipo de safadeza não pode ser realizado por uma pessoa desqualificada. Ela exige conhecimento, método, organização. Exige disciplina para estudar assuntos sobre os quais o fraudador contratado talvez não tenha o menor conhecimento, além de familiaridade com as normas da ABNT. Por conseguinte, a expansão desse mercado nefando tem a ver com a imensa quantidade de pessoas que concluem uma graduação e não conseguem ser absorvidas pelo mercado de trabalho. Sem emprego, a opção que lhes resta é fazer o que sempre fizeram: estudar. Daí para a fraude é um pulo.
Ou seja, fraudar trabalhos acadêmicos é uma alternativa para quem, não tendo fortuna, sobrenome ou padrinhos, não sabe jogar futebol, não tem uma bunda fotografável, tem senso de ridículo e não pretende montar um grupinho de axé-pagode-funk ou congênere, não foi selecionado para o Big Brother Brasil nem pretende encarar um filme pornô.
Neste caso, a fraude pode ser coibida através da supervisão do professor orientador. Obviamente, nunca será possível impedir a bandalha totalmente. Um acadêmico pilantra de velocidade 5 pode perfeitamente se reunir com o orientador, escutar as solicitações e até debatê-las, para depois repassar tudo ao contratado. Não escreverá uma linha sequer, mas terá acompanhado a realização do trabalho e será capaz de defendê-lo.
Felizmente, esse tipo de cafajeste é menos comum. Quem adota um expediente como este normalmente não tem capacidade de trabalho (às vezes, nem intelectual) de alcançar todas as exigências do orientador. Na verdade, este não terá muita dificuldade para perceber algo estranho e desconfiar. Alguns testes simples podem ser feitos, como questionar o aluno sobre detalhes das obras referenciadas na bibliografia, diretamente relacionados a sua pesquisa. Não fornecerei os pulos do gato, mas se o sujeito não tiver lido ou, mais importante, se ele não tiver refletido sobre aquela pesquisa, sua hesitação virá à tona. Selado, como diz a garotada de hoje.

II Trabalhos de disciplina
Ramo de expansão no mercado da patifaria, os trabalhos requisitados como requisito parcial da nota bimestral também estão sendo comprados. Quanto a estes, porém, atrapalhar o delinquente pode ser mais fácil do que parece, desde que o professor se dê ao respeito.
Em primeiro lugar, um professor sério nunca pede um trabalho só por pedir. Ele sempre sabe que conteúdo ou habilidade deseja testar por meio dele e escolhe um tipo de atividade que seja condizente com seus objetivos. Além disso, define critérios de avaliação, que não devem limitar-se à simples entrega no prazo. Forma, uso correto da Língua Portuguesa e detalhamentos propositais são uma forma de compelir o aluno a se enquadrar. Um fraudador contratado dificilmente saberá as dicas que o professor solta na aula.
Recomendo que sejam evitados temas genéricos, que favorecem a mera revisão da bibliografia disponível. Nada de pedir um artigo sobre "o conceito de dolo", o que levará o mal intencionado direto aos manuais da disciplina. Peça estudos de caso, dissertações de acordo com a visão de um autor específico que você selecionou naquele semestre e que seja objeto de análise em sala de aula, resenha de filmes fora do circuito comercial e, principalmente, exija uma abordagem crítica pessoal. Essa o fraudador não tem como vencer. Se você conhece o seu aluno, sabe o que ele pensa e até como se expressa, desde a redação do trabalho você verá os indícios da malinagem.
Quanto possível, peça aos alunos que defendam seus trabalhos. Se forem coletivos, estabeleça critérios de avaliação que atribuam parte da nota ao grupo (p. ex., a nota do trabalho físico é comum), o que fará o aluno interessado cobrar dos demais uma tarefa bem executada; porém, reserve outra parte da nota para avaliação individual, o que implicará na necessidade de tomar conhecimento do que foi feito e, no mínimo, estudar o trabalho pronto. Isto também ajuda a minorar a sensação de injustiça daquele que, tendo chamado a si maiores ônus, acabou com a mesma média dos demais.
E apesar de ser óbvio, vale lembrar: corrija os trabalhos que pedir, se a nota depende do conteúdo deles.

Este assunto fornece muito pano para manga e desde logo peço desculpas pelo tom adolescente do meu texto. Estou informal hoje, mas não perdi a perspectiva da gravidade do assunto. Outra hora posso falar sobre plágios, que são mais fáceis de detectar.
Alunos delinquentes, não se iludam: estamos de olho!

2 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, concordo com todas as suas recomendações e acrescentaria mais uma, que é a de fazer com que o trabalho seja parte de um contexto que estimule o aluno a querer fazer a atividade. Um trabalho antecedido de um filme, de um debate em sala ou de uma palestra pode criar no aluno um desejo de saber mais sobre o assunto e de expressar suas opiniões a respeito. Não funciona com todos, é verdade, motivo por que fiscalização e policiamento são necessários. Mas estímulos positivos são, no mínimo, um excelente complemento.

Yúdice Andrade disse...

Corretíssimo, André. Encampo as tuas sugestões. E também acho que trabalhar com os alunos mais verdes pode ser bastante útil.