quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Antropologia passou longe

Em sua seção de notícias rápidas, o Diário do Pará reproduz matéria do Portal G1, do seguinte teor:

Índia mordida por cobra divide médicos e pajésUma índia de 12 anos, que foi picada no pé por uma cobra, está no centro de uma polêmica no Amazonas. De um lado, o tratamento médico convencional. De outro, as tradições indígenas.
A menina foi internada no Hospital e Pronto-Socorro da Criança, em Manaus, há duas semanas. Segundo os médicos, o local da picada da cobra apresentava sinais de necrose - quando os danos ao tecido são irreversíveis.
A criança vive em uma aldeia em São Gabriel da Cachoeira (AM), no extremo norte do país. De acordo com o tio da menina, a família foi impedida de praticar os rituais de cura no hospital. Os médicos também não concordaram com as restrições alimentares impostas pelos índios e em proibir o acesso ao local de gestantes e mulheres no período menstrual.
“Na Carta Magna existe um artigo sobre os povos indígenas que garante esses direitos. É o artigo 231, que diz que devemos respeitar tradições, língua, costumes e formas de organização”, afirma João Paulo Barreto, tio da menina.
O Ministério Público Federal emitiu uma recomendação para que o tratamento da criança conciliasse medicina indígena com os métodos convencionais. A recomendação foi atendida, o pajé passou a ter acesso à menina desde que os rituais não incomodassem os outros pacientes. Porém, o impasse permanece.
“Nós não temos conhecimento da eficácia no resultado da aplicação combinada dos medicamentos convencionais com as ervas que são parte da cultura indígena”, afirmou o diretor do hospital, Joaquim Alves.
Por causa da possibilidade de amputação, que não é aceita pelos índios, a família levou a menina para a Casa de Apoio à Saúde Indígena, onde ela está sendo tratada por pajés e por um cirurgião geral.
O Ministério Público diz que vai continuar acompanhando o caso. “A preocupação do Ministério Público Federal agora é com a vida da criança. Então, neste sentido, eu realmente vou analisar o caso com carinho, com cuidado, e ver quais providências eu vou tomar”, afirmou a procuradora da República Luciana Portal Gadelha. (G1)

Segue-se um comentário absurdo, como já era de se esperar, do seguinte teor (farei o favor de omitir o nome da peça que redigiu isto):

É lamentavel que este caso tenha acontecido com uma indefesa criança indigena, entretanto, diante da teomosia recalcitrante destes indios, em tratar o mal através de seus métodos de pajelança, porque então não se desocupa este leito de hospital, que faz falta para outros enfermos, e se emtrega a menina aos seus responsáveis, para tratá-la segundo suas conveniências e crenças. Não se fazendo isto, incorre-se no risco de  cado a menina venha a falecer  culparem os médicos amazonenses, pela ocorrência e imediatamente pedirem indenizações por êrro médico, o que muito próprio do caráter do povo indigena, que ávido por dinheiro.

É melhor ler uma m... dessas do que ser cego, com certeza. Mas algumas pessoas poderiam fingir que vão ao banheiro e sumir. Do planeta, de preferência. O bostejo ignora completamente a força dos elementos culturais de um povo (mas aposto que esse cidadão considera muito "cultural" parar o país e não trabalhar por causa de um jogo de copa do mundo), como se fossem práticas indignas de respeito. Em pleno ano de 2009, é a mesma mentalidade colonialista catequizadora de meio milênio atrás.
Como, entretanto, o sujeito precisa justificar o seu desprezo às pessoas com as quais não possui empatia e que considera inferiores, lança mão de argumentos retóricos, na linha coitadinha-da-criança-indefesa, liberem-o-leito-para-quem-precisa e protejamos-os-médicos. No fundo, ele só quer dizer uma coisa: deixem essa garota morrer de uma vez.
O repugnante desprezo do cidadão de bem pelos silvícolas transparece, seja nas entrelinhas ("teimosia recalcitrante destes índios o pronome demonstrativo é um recurso usual e inconsciente das pessoas para indicar desprezo), seja ostensivamente, quando afirma que é da natureza dos índios a avidez por dinheiro (será que o crítico é um franciscano?). Lombrosiano (no mau sentido), inverídico e com um certo ar nazista.
Repugnante.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cândido Rangel Dinamarco - Instituições de Direito Processual Civil, 4ª Edição, página 473, nota de rodapé:

"Mas cabe sempre uma pergunta: existe razão para proteger tanto uma cultura tão elementar e insignificante como é a dos índios brasileiros ou seria melhor aculturá-los e garantir-lhes uma vida decente, sem esse privilégio de viver na doença e no ócio (e alguns deles, criminosamente) em terras improdutivas? Essa tutela é uma postura de proteção cultural, ou puro e simples paternalismo hipócrita e demagógico?"

Enfim, só para constar que até pessoas de tal quilate pensam também dessa forma.

No caso, meu autor favorito em processo civil.

Isso apenas confirma o quanto é difícil ser "diferente" neste mundo.

Abraços.

Yúdice Andrade disse...

Não conhecia esse lado do Prof. Dinamarco, Rita. Não tenho nenhum senão contra ele como processualista, mas depois desta ficará difícil ter o mesmo respeito por ele. Lamentável.
Abraços.