O comentarista Hamilton Lima me escreveu o seguinte, a respeito da postagem "O FSM começa", de anteontem:
Caro blogueiro, qual o significado real desta passeata. Paz, Justiça social, Liberdade, tais desejos se alcançam com trabalho, sacrifício e organização. Barulho, algazarra e bagunça não leva a isso, no Maximo nos levara a uma sociedade idiotizada e pouco realista que acha bonito a reunião de desocupados e preguiçosos que nada fazem para alavancar o crescimento dos Pais, vivem sob o sustento de um Estado apodrecido e suas benesses (pagos por nós trabalhadores) e sob a capa de mudar o mundo um discurso ultrapassado utilizado por quem não acompanha seu tempo.
Eu lhe respondi isto:
Até concordo, Hamilton, que com bagunça não podemos resolver nenhum dos grandes problemas que nos afligem. Mas note: o que você chama de bagunça foi interpretado de modo muito diferente por outras pessoas — e aqui me refiro a pessoas estudadas, letradas, de classe média, etc., o mesmo público que tem sido tão cruel com o FSM.
Portanto, a questão inicial é decidir se tudo que provoca engarrafamentos e outros transtornos à sociedade indiscriminadamente constitui bagunça. Nesse caso, teremos que incluir na lista as romarias do Círio, a trasladação e a procissão em si; os desfiles de 7 de setembro e os jogos de futebol. Que tal?
Faltou incluir na lista o carnaval (inclusive os ensaios, em plena rua), as micaretas, as comemorações quando acabam os campeonatos paraense ou brasileiro e outras agitações.
Aproveito o ensejo e espicho um pouco a discussão.
Os graves transtornos causados ao trânsito da cidade e à vida do belenense comum são culpa do FSM? Sim, indiretamente. E apenas indiretamente, como cada um dos demais fatores que listei acima. Porque todos eles poderiam ocorrer sem maiores danos se Belém estivesse preparada para os usos que se lhe quer dar. E como nenhum de nós pretenderá, se lúcido for, que a nossa cidade seja um túmulo, onde nada acontece, o nó da questão não está em promover eventos, e sim em dotar o espaço urbano do que ele precisa.
Retorno a um tema desgastado e desgastante, mas que precisa ser lembrado. Belém poderia enfrentar o FSM e seus outros percalços se possuísse malha viária adequada ao tamanho da população e da frota circulante de veículos, e se já tivesse resolvido uns problemas óbvios, tais como drenagem das águas pluviais.
Entra ano, sai ano, padecemos com os alagamentos que tornam a cidade um caos. Isto sim é um problema a reclamar urgente solução. Mas embora ela exista, sob o ponto de vista técnico, não existe sob o político. Aguarde os próximos dias para ver. Belém trancada em si mesma, só porque choveu forte por menos de uma hora.
Precisamos de novas ruas e de novo disciplinamento do tráfego. Precisamos restringir o direito de estacionar, por mais desagradável que isso seja. Precisamos desobstruir as calçadas e impedir a abertura de estabelecimentos com altos níveis de incomodidade para o trânsito em locais já saturados ou sem que sejam oferecidas medidas mitigadoras eficientes. Sem isso, o FSM vai e nós continuaremos aqui, engarrafados.
É inadmissível que, em 2009, num Estado cortado por rios — daí o nome: Pará significa "grande rio" —, não disponhamos de um sistema de transporte fluvial eficiente, seguro e rápido, a preços acessíveis.
É inadmissível que, em 2009, Belém continue restrita a um só acesso rodoviário. Deveríamos dispor de rodovias interligando as cidades da região metropolitana, de ambos os lados da BR-316. Rodovias, eu disse. Largas e seguras, capazes de dar fluidez ao tráfego.
E para chutar o balde, lembro que já existiu uma estrada de ferro Belém-Bragança. Sou mais um a defender esse resgate histórico: uma linha férrea unindo cidades do nordeste paraense à capital. Fazendo dela o meio cotidiano de transporte na região, retiraríamos diversos ônibus de passageiros e caminhões de cargas das estradas. Com menos trânsito, os veículos circulariam com mais segurança, o número de acidentes cairia, a vida útil das estradas aumentaria. E um trem seria menos propenso a assaltos.
Utópico ou não, eis do que Belém precisa para que possamos sediar eventos de todo tipo e tamanho, sem fazer feio e sem maltratar quem aqui vive. Como está, é bagunça. O FSM, aos meus olhos — ou sob a minha miopia, se assim preferir — é apenas uma oportunidade.
4 comentários:
Só queria saber em qual banco de dados o Hamilton verificou o status social de todos os participantes da marcha, que o altoriza a classificar os manifestantes de desocupados ou bangunceiros. Eu estive presente na marcha. E estava lá não para fazer bagunça, mas para prestigiar o evento e divulgar a organização que participo: a rede solidária, que trabalha com projetos de economia solidária e futuramente educação popular. Além disso, trabalho em tempo integral e ainda estudo de noite. Acredito que a maioria dos presentes, com as sempre existentes exceções, sigam a mesma regra.
Muito obrigado pela manifestação. O Hamilton deve ser um cara legal. Foi gentil comigo, mesmo imaginando que meu pensamento era oposto a ele. Mas aceitou a generalização e o senso comum maldoso que a clase média tem contra o FSM. Exatamente por isso, achei excelente teres apresentado o teu perfil. É apenas um exemplo de que, se abstrairmos os preconceitos - que muitas vezes não são nossos; as pessoas podem apenas ter ido no turbilhão -, podemos enxergar o que o FSM pode oferecer de bom. Se não ele especificamente, as pessoas que dele participam.
Na pressa, maltratei um pouco o bom português...;)
"Altoriza". Relaxa, David. Estamos entre amigos!
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