quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Prefeitura

O brasileiro médio desconhece o conceito de federação. A palavra, na acepção a que me refiro, não lhe diz nada. No máximo, ele sabe que existem federações (ou confederações) esportivas e nada mais.
O que ocorre, na prática, é a ignorância completa quanto aos conceitos de União, Estado federado (ou Estado membro) e Município*, tomando-se tudo como "governo". Ou seja, coloca-se a função administrativa no lugar do ente estatal. Assim, existe um governo federal (com sorte, entende-se presidência da República) e um governo estadual (aqui no Pará a era tucana tratou o "governo do Estado" como se fosse um ente com existência própria), mas curiosamente não existe um governo municipal. O que existe é uma prefeitura.
O vocábulo "prefeitura" é daqueles em relação aos quais reina total ignorância por parte do cidadão comum. E os próprios interessados ajudam a disseminar o erro, utilizando indevidamente o termo. Recordo-me da época em que fui procurador do Município, lotado na Procuradoria Administrativa, e tinha que analisar minutas de documentos oficiais. Eu morria de ódio quanto colocavam, no preâmbulo, coisas do tipo "A Prefeitura de Belém, neste ato representada, etc.". Fazia pareceres esclarecendo que o preâmbulo correto seria "O Município de Belém", porque a pessoa jurídica de direito público interno é o Município, não a prefeitura. Mas não adiantava. E os técnicos preguiçosos e avessos ao aprendizado ainda ficavam com raiva pela correção.
Aparentemente, o erro resulta de uma tentativa de apropriação do governo municipal pelo inquilino do poder de certo momento, expressão do odioso personalismo que sempre caracterizou a política brasileira. É como se, à moda de Luís XIV, o prefeito dissesse: "A prefeitura sou eu!"
A palavra "prefeitura" se originou na Roma Antiga, quando o imperador Constantino ou Diocleciano (em minhas consultas há divergências, inclusive quanto às datas em que esses imperadores governaram) instituiu quatro prefeituras  Gália, Itália, Ilíria e Oriente , que se dividiam em dioceses e estas, em províncias (divisões administrativas dos territórios situados fora da Península Itálica). Jesus nasceu na província da Galileia. Nesse contexto, o vocábulo indicava uma circunscrição territorial com governo próprio, cujo titular já era chamado de prefeito. É o mesmo sentido de países como a França, até hoje.
Já no Brasil, a circunscrição territorial com governo próprio é justamente o Município. Entre nós, o termo ora analisado possui duas acepções:
1) equivale ao cargo (p. ex. "Na prefeitura de Fulano", que é o mesmo que dizer "Na gestão/administração de Fulano", "Ao tempo em que Fulano era prefeito", etc.);
2) e o mais comum, correspondente à sede do Poder Executivo. Neste sentido, a prefeitura está para o Executivo assim como a câmara dos vereadores está para o Legislativo. Desta conotação deriva o sentido mais restrito, segundo o qual prefeitura é o nome dado ao edifício onde se encontra instalado o gabinete do prefeito, que em outras épocas era frequentemente conhecido como paço municipal. "Paço" é uma apócope de "palácio".
O melhor dicionário da Língua Portuguesa, o Houaiss, registra as acepções "Poder Executivo nos municípios" (letra minúscula, viram?) e "prédio da administração municipal onde fica o gabinete do prefeito" como regionalismos do Brasil. Os sentidos próprios da palavra seriam os históricos, acima citados.
Doravante, quando escutar "Prefeitura de Belém", pense nisto aqui: o majestoso Palácio Antônio Lemos, onde também funciona o Museu de Arte de Belém. E quando ouvir que "a prefeitura está trabalhando por você", não perca o seu tempo pensando num edifício de mangas arregaçadas, botas e capacete, pegando no batente. Pense no governo municipal, por seus titulares. Partindo do pressuposto, claro, que o seu prefeito preste para alguma coisa.

*Escrevo propositalmente com letra maiúscula, em respeito à isonomia que deve existir entre todos os entes federativos, guardadas as devidas proporções, é claro. O mais comum é as pessoas redigirem apenas União e Estado com maiúsculas, menosprezando o que certos autores consideram, a meu ver com acerto, o mais importante dos três, já que é nele que vivemos. Note-se que a Constituição de 1988 grafa a palavra com maiúscula.

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