terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O FSM começa

Nesta manhã de terça-feira, começam as atividades do Fórum Social Mundial Amazônia. Será muito bom termos a cidade transformada no palco de discussões relevantes para o futuro de todos  discussões que somente não são consideradas relevantes pela turminha etnocêntrica e egocêntrica que habita estas bandas, cópia mal feita das elites internacionais que fizeram a situação econômica mundial ser o que é. E não me refiro à atual crise, não. Refiro-me às situações permanentes, como a pobreza da América Latina, a miséria da África, a ostentação dos Estados Unidos, a insurgência de mercados criminosos bilionários (notadamente as três atividades ilícitas mais lucrativa: tráfico de armas, entorpecentes e de pessoas), etc.
Também é muito bom, para quem não vive adorando o próprio umbigo, conhecer e conviver com pessoas as mais diversas. Sejam os europeus  como um que, neste final de semana, na Estação das Docas, pedia extasiado que a esposa tirasse uma fotografia dele junto a um cacho de mangas , os indígenas com seus adereços ou os africanos, com suas vestes coloridas. Sejam os ativistas, com seus frequentes exageros, ou os grandes estudiosos, pesquisadores com sua sisudez científica.
Sabemos que as deliberações do FSM podem ser completamente ignoradas por quem realmente decide. Mas assim como ninguém deixa de se alimentar por conhecer o destino que os alimentos tomarão, também é necessário continuar se agitando por uma economia mundial mais equânime. Também é uma questão de sobrevivência.
Sucesso ao FSM. Bem vindos todos os participantes.

5 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, olá, eis-me de volta aos comentários. Li sua postagem sobre o FSM e quis aproveitar o ensejo para participar minha opinião a respeito do assunto. Como você deve saber, não sou nenhum reacionário conservador, partidário do liberalismo, simpatizante da direita, nem coisa parecida, pelo contrário, me identifico amplamente com as causas históricas da centro-esquerda, mas tenho lá certas críticas e reservas em relação ao FSM. Como esse é um espaço reconhecidamente aberto e agradável de debate, em que estou certo de que discutiremos o assunto num nível elevado de idéias e civilidade, sinto-me encorajado para expressar minhas considerações.

Em primeiro lugar, devo dizer o que considero que o FSM seja. Para isso, exercito em relação ao evento o mesmo tipo de juízo crítico que seus organizadores costumam insistir que apliquemos aos discursos das "elites dirigentes", isto é, o juízo crítico de não tomar o discurso por realidade, de ver o interesse que existe por trás dele, de tirar a máscara ideológica para contemplar a face nua do tema em questão. Assim, é preciso compreender que o discurso de que o FSM seja um espaço de discussão, de troca de experiências e de gestão de estratégias de combate aos problemas sociais do mundo é um discurso de legitimação do evento, não necessariamente correspondente à verdade do que acontece nele nem à intenção que move sua organização. Mas o FSM dificilmente pode ser visto assim por quem o examine de perto.

Pessoalmente, considero o FSM um grande espaço de circulação das idéias que ditarão o discurso e a agenda dos movimentos sociais ao redor do planeta. É o espaço em que algumas lideranças - que serão as únicas vozes realmente ouvidas e seguidas na multidão de palestras e debates - anunciam à rede social mundial, difusa num sem número de partidos, ONG's e entidades, quem são os inimigos da vez, quais são os problemas da vez, quais são as estratégias de enfrentamento da vez. Ele funciona mais ou menos como a internacional comunista funcionava, apenas que o regime de centralização e hierarquia, bem como a estratégia global, como não podem ser explicitamente expostos - sob risco de comprometer a imagem de multilateralidade e horizontalidade das relações - acabam ocorrendo de modo subreptício, dissimulado, invisível, numa forma em que a verticalidade das lideranças se esconde por trás da horizontalidade das várias contribuições anônimas.

Banco Mundial, Fundação Ford, Fundação Rockfeller, Fundação Gates, entre outros ícones normalmente identificados com os "capitalistas desumanos" e com os "porcos imperialistas", estão na verdade entre os principais financiadores de eventos desse tipo. Vou passar ao largo da discussão de por que algumas das maiores fortunas capitalistas do planeta têm tanto interesse em financiar eventos e movimentos que dizem opor-se tanto à lógica do capitalismo, porque esse assunto daria muito pano para manga em outro debate. Mas faço aquela advertência apenas para que tenhamos em mente que o FSM está longe de ser uma mobilização espontânea da sociedade civil mundial, uma demanda de baixo para cima. Não é. É um evento de enormes proporções, que dispende quantidades gigantescas de dinheiro e que exige imenso custo de tempo, planejamento e execução. Só se realiza porque há entidades financiadoras interessadas em torná-lo possível e há entidades e pessoas responsáveis por tomar a frente de sua condução.

Também não é verdade que a "troca de experiências" que se desenvolve ali "traça as estratégias de intervenção" das organizações e movimentos sociais. É que a ação dos movimentos sociais é apenas teoricamente difusa, como se fossem iniciativas que surgem em várias partes do planeta. Na verdade, os movimentos sociais dependem de investimento público (geralmente repasse de verbas que o FMI e o Banco Mundial já reservam para esse fim) e privado (da parte daquelas fortunas capitalistas de que já falei), de modo que, a menos que se cumpra com certos requisitos de "relevância" e "viabilidade", projetos sociais propostos não são aprovados, não recebem financiamento e, por isso, morrem.

Sendo assim, o grande valor de "assimilar" o novo tom, o novo jargão e a nova estratégia que se coloca a cada ano é que assim as organizações e movimentos sabem exatamente o tipo de coisa que devem propor e o formato estratégico em que a devem propor para terem seu financiamento aprovado ou renovado. Isso - entenda-se bem - não ocorre de maneira explícita, mas sim de modo imperceptível, mediante uma adaptação discursiva e comportamental, do tipo: "Puxa, o FSM me mostrou que agora se está apostando bastante em tal coisa", ou então: "É como disseram aqueles sujeitos do FSM, a gente precisa tentar por essa outra direção", ou coisas do gênero. No fundo, ocorre uma grande divulgação global dos novos formatos, espécies de editais informais dos requisitos invisíveis para a concessão de financiamentos em projetos sociais.

É que, na verdade, quando as grandes agências financiadoras e planejadoras realmente querem traçar novas estratégias de intervenção para os movimentos sociais, elas não o fazem através de fóruns e debates, e sim através de reuniões de cúpula, em que são reunidos especialistas, construídas aquelas estratégias e divulgadas as novas diretrizes para os diretores de organizações como Green Peace, WWF, Unicef, OIT, OMS etc. Eventos como o FSM são mais espaços de divulgação e reprodução do discurso e da agenda previamente traçados, do que espaços de construção desses elementos.

Até por isso, a fala dos participantes do FSM - seja dos anônimos que socializam suas opiniões, experiências e pesquisas, seja das lideranças, que ditam o conteúdo e o tom dos planos e debates dos anos seguintes - se coloca muito pouco ao nível científico, ao nível estratégico e ao nível operacional. Ela é geralmente uma fala de expressão e persuasão, em tom rasgadamente panfletário, que pouco acrescenta em substância aos debates que se propõe abordar. Há um verdadeiro festival de jargões e clichês da centro-esquerda (empoderamento, participação, deliberação, horizontalização, democratização, revalorização, resgate, capital social, economia solidária etc.), em que, com raras exceções, quanto mais genérica, agressiva e infundada a crítica que se faz ao capitalismo, às elites, ao Estado, ou qualquer que seja o vilão da vez, melhor é a recepção do público, embora menor seja a contribuição efetiva (salvo a retroalimentação emocional) que se extrai do discurso enunciado. É que o FSM é o espaço em que essas falas de reforço do clichê ideológico e do tom emocional realizam a reprodução das estratégias discursivas e interventivas previamente estipuladas noutras cúpulas, por outras pessoas.

Em conclusão, de modo geral penso o seguinte sobre o FSM: ele não é um espaço horizontal de troca de experiência e de produção de estratégias, ele é um espaço vertical (disfarçado) em que se divulgam a reafirmam estratégias previamente formuladas; e ele não é um espaço de discussão analítica e reflexiva sobre problemas sociais e suas soluções, e sim de reafirmação retórica de temas e tons que mantêm, por assim dizer, a "identidade lingüística e emocional" do movimento social mundial.

Isso quer dizer que ele é ruim, que não serve para nada, que não deveria sequer ser feito? Não, penso que não, pois, bem ou mal, é uma espécie de "festa" da preocupação social e da mobilização civil, embora eu tenha dúvidas sobre a eficácia concreta e a direção real dessas ações. Enfim, provavelmente o tema exige um exame mais cuidadoso, que leve em conta fatores e informações bem mais variados e completos do que os que levantei aqui. Mas achei que expressar minha posição valia a pena assim mesmo.

Refirmo que a centroesquerda que estou criticando é a mesma com que me identifico politicamente, sem prejuízo de que mantenha várias discordâncias em relação a ela. Quanto aos que falam de "bichos-grilos", "galera descolada" e coisas do tipo, aos que se incomodam com o engajamento político e a mobilização civil, esses, é claro, não precisam de crítica, porque já são, em pessoa, discurso e ação, a caricatura de sua própria imbecilidade.

Um abraço!

Yúdice Andrade disse...

Jamais tinha olhado sob esse ângulo, Fred. É preciso mesmo ser capaz de filosofar e ir além, para chegar a uma reflexão assim. Imagino que ela possa ser mal recebida por muitos, mas é preciso que seja feita.

Anônimo disse...

Caro blogueiro, qual o significado real desta passeata. Paz, Justiça social, Liberdade, tais desejos se alcançam com trabalho, sacrifício e organização. Barulho, algazarra e bagunça não leva a isso, no Maximo nos levara a uma sociedade idiotizada e pouco realista que acha bonito a reunião de desocupados e preguiçosos que nada fazem para alavancar o crescimento dos Pais, vivem sob o sustento de um Estado apodrecido e suas benesses (pagos por nós trabalhadores) e sob a capa de mudar o mundo um discurso ultrapassado utilizado por quem não acompanha seu tempo.
Abraço.
Hamilton Lima.

Anônimo disse...

Égua! Mas é muita "rabugiçe" junta.
Desculpe, mas é o que penso sobre esta opinião aí de cima.

Yúdice Andrade disse...

Até concordo, Hamilton, que com bagunça não podemos resolver nenhum dos grandes problemas que nos afligem. Mas note: o que você chama de bagunça foi interpretado de modo muito diferente por outras pessoas - e aqui me refiro a pessoas estudadas, letradas, de classe média, etc., o mesmo público que tem sido tão cruel com o FSM.
Portanto, a questão inicial é decidir se tudo que provoca engarrafamentos e outros transtornos à sociedade indiscriminadamente constitui bagunça. Nesse caso, teremos que incluir na lista as romarias do Círio, a trasladação e a procissão em si; os desfiles de 7 de setembro e os jogos de futebol. Que tal?

Das 16h35, a minha réplica atende ao seu ponto de vista?