terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Valores construídos

Motivado pelo debate travado na caixa de comentários da postagem "A brincadeira começou agora", a partir da manifestação da querida Luiza Duarte, recordo-me de uma historinha pessoal.
Corria o ano de 1996. Eu estava no último ano da graduação e estagiava no escritório da advogada Mary Cohen, hoje conhecida nos meios jurídicos por sua atuação junto à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB  uma humanista, com uma visão bem clara do mundo, que em mais de uma ocasião, como nesta que ora narro, me ensinou lições para toda a vida.
Certo dia, deparei-me com um pedinte no escritório. Um rapaz alto, vestido com uma certa formalidade e voz suave, quase um falsete. Contava uma história intrincada e ao final pedia dinheiro. Depois que saiu (sem atingir o seu objetivo), comentei que já o vira diversas vezes no Ministério Público (onde estagiara em 1995) e no fórum, sempre contando histórias e pedindo dinheiro. Repudiei a sua conduta de mentir para nos enganar, emocionar e soltar a grana.
Mary então interveio com uma só advertência: "Você não pode esperar que ele tenha a mesma noção de moralidade que nós, que vivemos de uma forma completamente diferente."
A frase não foi bem essa, mas seguia esse rumo. E me pôs a meditar profundamente em seu significado. Ela tinha razão. Nós  com todas as dificuldades enfrentadas ao longo da vida, eu e ela, pelo menos  tínhamos casa, comida na mesa, família, escola e uma série de outras coisas que, em verdade, são básicas, mas para muita gente são luxos inalcançáveis.
Após a separação quando eu tinha três anos, minha mãe foi trabalhar fora e passava o dia todo longe dos filhos. Mesmo assim, eu me recordo dela brincando comigo ocasionalmente, levando-nos para passear, repassando a tabuada (ih, denunciei minha idade...) e, especialmente, dando-me valores. Ela me ensinou que não devíamos pegar nada que não fosse nosso, que devíamos pagar nossas dívidas (isto ela me ensinou com exemplos) e que deveríamos manter a família sempre unida.
Não eram lições de moral. Apenas frases que ela podia dizer uma só vez e mesmo assim ficaram guardadas comigo. Tanto que, até hoje, eu repito algumas delas. Regras atemporais, que valiam na minha infância, valem hoje e continuarão atuais mais tarde.
Reconheço o quanto isso fez toda a diferença para mim. E imagino como seria minha vida se eu não tivesse aprendido nada disso. Logo, pondo-me no lugar dos outros  o que a maioria das pessoas não sabe e muito menos se interessa em fazer , consigo compreender o bêbado que me pede dinheiro para comprar comida para o filho, que na verdade ele usará para continuar a beber. Não tenho uma opinião romântica sobre ele, não. Mas também não o rotulo de vagabundo. Encaro-o como uma pessoa que não consegue (ou não consegue mais) compreender que o que faz está errado. Não facilito, não passo a mão na cabeça, não dou o dinheiro, mas procuro respeitar a humanidade que há nele, inclusive em sua falência moral.
Idêntico procedimento utilizo nas minhas valorações sobre bandidos, marginais, delinquentes ou afins. E por isso me irrito tanto com os julgamentos do tipo dono-da-verdade que a imprensa e muita gente faz, objeto de críticas recorrentes aqui no blog.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá primo,

Mais uma vez um belo post.

'Não facilito, não passo a mão na cabeça, não dou o dinheiro, mas procuro respeitar a humanidade que há nele, inclusive em sua falência moral.'

Este trecho retrata exatamente o meu sentimento, o que me deixa de certa forma confortado, afinal a escassez de juristas realmente humanistas não me permitiria ter esperanças de mudanças.

Como é difícil para as pessoas se colocarem no lugar das outras e como seria fácil entendê-las se assim a fizessem.

Abraços!!!