Sinceramente, eu me pergunto se há alguma razão plausível para a imprensa seguir os passos de Carolina Pivetta da Mota, a garota de 24 anos que ficou, digamos, "famosa", desde que foi presa pichando a "Sala Vazia" da última Bienal de São Paulo.
Naquela oportunidade, havia uma questão a ser tratada, nada original, mas relevante: discutia-se a necessidade de privar da liberdade uma pessoa acusada de crime menor (dano, ainda que ao patrimônio cultural), mormente num país em que há tantos criminosos da pesada livres. Prendia-se a pichadora, mas os grandes corruptos e corruptores, fraudadores, peculatários, traficantes e sabe-se lá mais o que da nação seguiam sem ser molestados. A questão era denunciar os dois pesos e duas medidas do sistema de justiça criminal brasileiro, por sinal um tema recorrente aqui no blog.
A cidadã ficou mais de um mês presa pela pichação, enquanto Daniel Dantas não esquentou lugar na cela. Ok, ok, ok. Vá lá que seja. Mas até a libertação da jovem, ainda cabia a divulgação. Contudo, parece que alguém se interessou pela carreira da moça. Dia desses, foi divulgada a sua prisão sob a acusação de tentativa de furto, quando o advogado de defesa alegou que sua constituinte estava sendo vítima da própria notoriedade: os policiais a teriam prendido ao reconhecê-la, sem que houvesse crime algum. Agora, a publicidade é para a libertação da acusada.
Quantas pessoas são presas e soltas todos os dias no país? Quantas estão envolvidas em situações graves, polêmicas, curiosas ou mal explicadas? Por que justamente Caroline Pivetta merece toda essa atenção? Acaso já alcançou o status de celebridade do mundo cão?
A minha preocupação é com um dos efeitos mais nefastos da exploração midiática: o fomento de copiadores. Esse é um fenômeno conhecido no mundo inteiro, que explica o motivo pelo qual as autoridades, quando investigam crimes em série, não revelam todos os detalhes, para conseguirem distinguir entre as vítimas do criminoso procurado e as de eventuais copiadores. Entre os estudiosos, há uma classificação específica para isso: os copy killers.
Lembremos a triste figura de Leonardo Pareja (1974/1996, foto), jovem de classe média que, em 1995, aos 16 anos, resolveu virar assaltante. Ao invadir uma casa, manteve uma adolescente da mesma idade como refém por três dias, até conseguir fugir. Em sua fuga, concedeu diversas entrevistas a emissoras de rádio, debochando da incapacidade da polícia em capturá-lo. Se não me engano, consta que sua fuga mais espetacular foi de um apartamento, de onde saiu pela janela, em andar elevado, comprimindo-se contra as paredes. Uma decisão suicida, porém bem sucedida. A ampla exploração do personagem pela mídia o tornou uma espécie de anti-heroi, admirado pelos jovens. Um péssimo exemplo, claro, que teve o desfecho previsível: foi morto na prisão.
Antes disso, contudo, quando preso, disparou críticas ao sistema, liderou uma rebelião no presídio, ridicularizou a polícia e consumou outra fuga escandalosa, com direito a dar conselhos ao refém, parar em um bar para comprar bebidas, pagar por elas, recusar o troco e convidar as pessoas para beber por sua conta. No final, morreu traído pelo excesso de autoconfiança.
Então me pergunto: qual é a proposta da imprensa para Pivetta: torná-la uma estrela do crime? E qual será o projeto para o público? Servir de exemplo?
2 comentários:
Curioso é observar que há milhares de jovens que se destacam positivamente no Brasil, seja nas artes, na escola ou em outros segmentos da vida, mas não conquistam a mesma notoriedade na imprensa. Se fosse diferente, nossa sociedade teria a predominância dos bons sobre os maus exemplos. É exatamente de boas referências que o jovem contemporâneo precisa neste país, especialmente o jovem que vive no limite das chamadas "situações de risco social".
É triste, caro amigo. Por tudo isso, cabe a nós proteger nossos filhos desse autêntico festival de celebração do horror.
Um abraço!
Paul McCartney Anônimo
Já faz tempo que muita gente clama para que a imprensa use, pelo menos, um critério mais eqüitativo na distribuição do espaço despendido com o mundo cão e as notícias edificantes. Atualmente, estas últimas ganham apenas as sobras, em dias especiais ou quando acontece algo fora do comum.
Criou-se um mito de que é a desgraça que vende jornais. Será mesmo? Pode ser que estejamos diante de uma espécie de dilema de Tostines e, na verdade, as pessoas comprem mais jornais sangrentos porque é isso que está disponível. Não foi sempre assim e poderia ser mudado. Quem sabe uma pauta mais decente não afetasse em nada a audiência dos jornalísticos.
Vale lembrar, ainda, que essa não é uma realidade mundial. É coisa de país subdesenvolvido, mesmo.
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