Após escrever as três postagens anteriores, sobre o caso Novelino, lembrei-me de um dos casos mais famosos da história criminal brasileira, o do serial killer Francisco de Assis Pereira, o "maníaco do parque", aquele sujeito simpático que, em 1998, cooptava com sua lábia eficiente jovens incautas, as quais levava para o Parque do Estado, em São Paulo, para estuprá-las e matá-las.
Sabe-se que, além de estuprar e matar, Pereira também roubava as vítimas, subtraindo inclusive cartão de crédito, que posteriormente utilizava. Face a isso, ele foi condenado por homicídio qualificado, roubo, estelionato e ocultação de cadáver. Diante disso, terá a justiça paulista errado, posto que haveria, ali também, latrocínios?
Pode ser difícil compreender as nuanças entre os dois casos. Todavia, consigo vê-las com facilidade. E a solução é encontrada exatamente nos mesmos argumentos que utilizei, relacionados à intenção dos criminosos.
Ao menos quando planejado, todo delito tem um programa, que o agente vai desenvolvendo. Na morte dos Novelino, o programa foi originalmente concebido para envolver tanto os homicídios quanto a subtração de bens, por isso tenho sustentado o latrocínio. Já o "maníaco do parque" agia diferente. Para ele, as subtrações e o estelionato eram delitos circunstanciais, que podiam ou não acontecer, dependendo do que as vítimas possuíssem no momento do ataque.
Pereira seguia um modus operandi. Ele abordava, na rua, jovens desconhecidas para ele, que o atraíam. Segundo se afirmou na época, ele as escolhia pela aparência simples, pois moças pobres seriam mais permeáveis ao discurso que ele utilizava. Ele se dizia agenciador de modelos e oferecia às vítimas um teste fotográfico gratuito. Se desse certo, elas poderiam tornar-se modelos e ganhar muito dinheiro. Por mais aberrante que seja a história, muitas caíram. Tinham que ser muito simplórias, mesmo, respeitosamente falando.
Por conseguinte, Pereira não escolhia as vítimas com o propósito, mesmo que secundário, de enriquecimento ilícito. Ele queria sexo e morte. Contudo, se após saciar seus instintos, encontrasse algum objeto de valor, levava consigo. Sob essa interpretação, considero acertado julgá-lo por homicídio qualificado e não por roubo. As duas condutas estão claramente separadas em seu programa delitivo.
Vale lembrar algo que toda a doutrina admite: não é a vinculação temporal pura e simples entre a morte e o roubo que gera o latrocínio. Eu posso roubar a vítima e matá-la por pura perversidade, sem qualquer noção de que isso se faz necessário para viabilizar o roubo, que até já consumei. Nessa hipótese, há um homicídio e um roubo, separados.
O Direito Penal, quando aplicado à crueza dos casos reais, oferece dificuldades interpretativas, como bem sabem os meus alunos. Muitas vezes, tais dificuldades nenhuma relação possuem com os aspectos técnicos, teóricos ou legais, e sim com a rejeição previsível que temos ante o horror, a crueldade desmedida, o desprezo absoluto pelo semelhante. Como não somos capazes de suportar a maldade, nosso cérebro tem dificuldade de processar certos comportamentos e, por isso, falta-nos a capacidade de dar uma solução jurídico-penal para o caso.
É o sentimento de humanidade prevalecendo em nós. Prevelecendo em quem o possui, bem entendido.
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