terça-feira, 26 de junho de 2007

Minha visão sobre o caso Novelino: parte III

De acordo com reportagem do jornal Diário do Pará de hoje (favor relevar quaisquer equívocos a que eu tenha sido induzido), a 8ª Promotora de Justiça do Juízo Singular, Lúcia Rosa da Silva Bueno, requereu a redistribuição dos autos a uma das varas de tribunal do júri. Seguem os motivos que teriam sido alegados, com as minhas observações:

1) O crime de latrocínio só poderia ser caracterizado se os indiciados tivessem vontade apenas de matar para roubar.
À luz do que expliquei anteriormente sobre dolo de consequências necessárias, o argumento se revela frágil. O planejamento delitivo em nada altera a conjuntura. Nos anos 90, se não me engano, um grupo de criminosos invadia residências de luxo na capital paulista especificamente para roubar. Todavia, como forma de demover as vítimas de registrar ocorrência policial, estupravam alguma mulher da família, para que a vergonha e a vontade de resguardar a honra da moça inibisse qualquer reação. Tais estupros faziam parte do planejamento do bando. Nem por isso se pode negar que os criminosos deveriam responder por roubo, quadrilha ou bando e por estupro. Portanto, a existência de planejamento, por si só, não altera em nada uma conjuntura que é definida pelo dolo dos agentes.

2) Os bens (relógios, cordão, pulseira) só foram retirados das vítimas para dificultar a identificação dos cadáveres.
A reportagem atribui ao advogado Antônio Neto algumas afirmações. Ele teria feito a interessante afirmação de que o roubo de objetos pessoais não pode ter sido cometido apenas para dificultar a identificação dos corpos. “Essa informação não pode ser verdadeira porque no pensamento dos assassinos os corpos não seriam encontrados, tanto que jogaram no fundo do rio. Foi roubo mesmo pelo valor das coisas. Além disso, roubaram o carro e ainda houve toda uma simulação de assalto antes de matar os Novelino. No meio dessa situação levaram os bens deles: cordões, relógios, pulseiras, cheques. Desde o início a finalidade era matar para roubar os cheques, configurando latrocínio premeditado.”
O colega está correto e vou além, ratificando tudo o que disse anteriormente: mesmo que a intenção não fosse subtrair as coisas por seu valor econômico, ainda assim haveria o dolo de roubo essencial à formação do latrocínio.
O crime de roubo é definido como uma subtração violenta de coisa alheia móvel, subtração essa realizada com animus rem sibi habendi, ou seja, com a intenção de apossamento definitivo. Isto, contudo, não significa que o agente queira a coisa para si. Toda a doutrina está de acordo que tanto faz o ladrão subtrair a coisa para usá-la, vendê-la, presentear alguém, fazer uma doação supostamente caridosa, destruí-la ou qualquer outra finalidade. Desde que seja seu propósito não permitir que o proprietário retome o seu bem, o elemento subjetivo do crime está demonstrado.
A propósito, é controversa na doutrina a caracterização de roubo (ou furto) de cheques, pois os mesmos não possuiriam valor econômico significativo, constituindo apenas títulos representativos de um direito economicamente apreciável. É por isso que não defendo o latrocínio com base neles, especificamente, mas no conjunto dos bens subtraídos (objetos pessoais e um automóvel). Tenho notado um erro reiterado e grave, em pessoas que afirmam que o caso Novelino constitui latrocínio porque os agentes mataram com a intenção de se livrar de uma dívida e esse seria o ganho econômico ilícito perseguido. Matar com a intenção de obter lucros indevidos constitui homicídio qualificado pelo motivo torpe (fator que deve explicar a manifestação do órgão ministerial). Para haver latrocínio, não basta um simples objetivo econômico, e sim a intenção de subtrair bens. E isso ocorreu no caso Novelino.

3) A ação foi realizada com requintes de crueldade, o que foge à característica do crime de latrocínio.
Esta alegação me deixou de queixo caído. Não acredito que a promotora desconheça que o latrocínio, com enorme frequência, seja perpetrado com perversidade escandalosa. O que foi o caso do menino João Hélio, por acaso? Ou a promotora acha que aquilo foi um homicídio só por causa do meio executivo? Considero essa alegação fora da realidade.

Ainda podemos avançar, mas por ora aguardo as manifestações que porventura surjam.

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