Como dito na postagem anterior, a polêmica em torno da capitulação penal no caso Novelino ocorre devido a uma valoração incorreta dos objetivos dos agentes. Vejamos: como o verdadeiro propósito era matar e todo o resto constituiria apenas um conjunto de atos de dissimulação e encobrimento, teríamos que punir apenas o homicídio (duplo) e os demais elementos funcionariam como circunstâncias do próprio homicídio, a influenciar apenas na dosagem da pena.
Tomemos o seguinte exemplo hipotético: um homem engravida sua amante e, ao ser informado, termina o relacionamento e oferece dinheiro para que ela desapareça. A mulher reage com agressividade e anuncia que procurará a esposa traída para contar toda a verdade. Prevendo a ruína de seu casamento e uma série de prejuízos decorrentes, o homem insiste à exaustão com a amante, para que suma e crie seu filho longe dali. A cada nova insistência, a mulher fica mais segura de si. O homem então decide que somente escapará às consequências de seu ato matando a amante, o que efetivamente faz. Pessoa informada que é, sabe que, matando a gestante, inevitavelmente provocará a morte do feto. Esta situação é um efeito colateral necessário ao homicídio da gestante que, talvez, o homem até repudiasse. Posso especular inclusive que ele sofra ante a perspectiva de matar o próprio filho e, se houvesse meios de furtar-se a isso, buscaria esse caminho. Naturalmente, não existe. Se ele consumar a morte da amante, terá dolo direto em relação a esse homicídio e dolo de consequências necessárias quanto à eliminação do concepto. Evidentemente, e aqui faço questão de ser enfático, ele teria que responder por dois delitos: homicídio qualificado pelo motivo torpe e abortamento sem o consentimento da gestante (CP, arts. 121, § 2º, I e 125).
Todavia, se aplicarmos o raciocínio de supervalorização do objetivo final que o Ministério Público adotou no caso Novelino, nosso personagem deveria responder somente pelo homicídio qualificado, pois essa era sua real intenção. A morte do feto ficaria impune, o que é um absurdo e, segundo a famosa regra de hermenêutica, toda interpretação que conduz ao absurdo está errada.
Honestamente, não consigo compreender a insistência em caracterizar homicídio, ainda que eu descesse ao nível de escolher o delito que permitisse uma punição mais dura aos agentes. Afinal, o latrocínio é um crime mais grave que o homicídio qualificado. As penas máximas são iguais (30 anos), mas a diferença entre as mínimas é grande: homicídio qualificado, 12 anos; latrocínio, 20 anos. O latrocínio, crime patrimonial que é, ainda prevê pena de multa e não é julgado pelo tribunal do júri, o que asseguraria um processo mais rápido e com menos oportunidades de tramóias de advogados de defesa.
Portanto, nem sob a ótica do utilitarismo irracional essa pertinácia toda me convence.
Os compromissos me obrigam a interromper aqui. Na próxima oportunidade, retomarei minha abordagem, comentando o teor da manifestação ministerial. Bom dia.
PS — Naturalmente, já me ponho à disposição dos críticos. Aliás, estou ansioso pelos defensores da tese de homicídio. Será que alguém mudará de opinião?
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