O americano Floyd Landis venceu em 2006 a Volta da França (Tour de France), maior competição mundial de ciclismo. Todavia, seu título está sub judice, pois responde a processo, perante a Justiça de Malibu (Califórnia), que decidirá nos próximos dias se ele é ou não culpado do uso de doping. Até aí, nada de novo, não fosse pela utilização, pela primeira vez na História, de uma estratégia defensória que a revista Columbia Journalism Review chamou de wikidefesa.
Comprometido até a raiz dos cabelos depois que um laboratório francês identificou altíssimas taxas de epitestosterona em sua urina, depois de dar explicações cretinas para o fato (alegou ter ingerido uísque) e depois de um assistente seu haver coagido uma testemunha de acusação, ameaçando revelar um episódio de abuso sexual em sua infância, recorreu à tática de disponibilizar na Internet toda a documentação do caso (370 páginas), a fim de que os internautas pudessem examiná-la e indicar detalhes que pudessem livrar a cara do acusado ou até mesmo inocentá-lo. Mais especificamente, a intenção é comprometer a credibilidade do laboratório — a velha tática de se-não-posso-ajudar-vou-atrapalhar.
Deu certo: algumas falhas já foram encontradas.
Há chances razoáveis tanto de condenação quanto de absolvição e, nesta hipótese, mais provavelmente por conta de tecnicalidades. Todavia, o episódio serve para inaugurar uma nova era no Direito, no qual a defesa jurídica de um réu também seria globalizada. Parece instigante, mas só funciona nos casos em que o interessado aceite ter as suas mazelas superexpostas. Portanto, não imagino que acusados de crimes bárbaros se atrevam a lançar mão de tal expediente, pois quanto mais o público conhecer os detalhes sórdidos do crime, tanto mais cobrará a condenação do réu, nem que seja para se sentir psiquicamente justiçado.
A estratégia também não seria bem vinda nos casos de exposição de terceiros, pois a violação ao direito de privacidade poderia voltar-se contra a defesa do acusado, mormente num país como os Estados Unidos, em que as liberdades individuais são hipervalorizadas.
Por fim, acredito que muitos advogados rejeitariam o uso da estratégia, pelo singelo fato de que a absolvição do cliente poderia ser entendida como mérito alheio. Se você, conhecendo a fundo os documentos, precisa da ajuda de estranhos para defender seu constituinte, deve ser meio incompetente. Para quem cobra uma fortuna por hora de trabalho, há necessidade de ser e de parecer genial, por méritos próprios.
O tempo dirá.
Fonte: Revista Época, n. 473, 11.6.2007, p. 98. Veja ainda o verbete "Floyd Landis" na Wikipedia.
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