Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Recordei-me, assim, sem mais nem menos, de uma conversa informal mantida há nem sei quanto tempo com uma veneranda professora de Língua Portuguesa. Falava sobre o hábito das pessoas de construir frases com duplas negativas. Com efeito, é muito comum o povo soltar pérolas do tipo "ninguém não sabe" ou "nunca não soube". Evidentemente, por sua amplitude, "ninguém" e "nunca" já constituem negativas bastantes para a ideia que se quer passar. Ninguém resolve a ideia quantitativa; nunca, a temporal.
Desde que escutei pela primeira vez a canção Cigarro, do excelente CD Baladas do asfalto & outros blues, esse "ninguém nunca respondeu" machuca um tanto meus ouvidos, mas com as naturais concessões que fazemos aos artistas queridos. Hoje, contudo, o sinal fechou e meu pensamento divagou, levando-me a concluir que nem toda dupla negativa constitui pleonasmo e, portanto, vício de linguagem. Casos haverá em que a ideia só poderá ser corretamente enunciada se usarmos dois vocábulos negativos.
É o caso. A expressão "ninguém nunca respondeu" revela dois contextos claramente distintos: nenhuma pessoa respondeu a minha pergunta (sugerindo que o autor perguntou a muita gente) e há muito tempo pergunto e não consigo obter resposta. Ou seja, temos tanto a noção quantitativa quanto a temporal, mas somente através dos dois advérbios reunidos isso pode ser expressado a contento. Logo, o verso não destoa da norma culta (adoro essa expressão).
Em meu abono, invoco Pasquale Cipro Neto que, em programa televisivo a que assisti dia desses, corrigiu algo que me explicaram incorretamente. Aprendi que "repetir de novo" constitui pleonasmo. Afinal, o verbo repetir, em si mesmo, já indica que o indivíduo falou de novo. O famoso linguista, contudo, esclareceu que se o comunicador vier a falar a mesma coisa uma terceira vez, estará repetindo de novo. Assim, a mãe manda seu filho entrar para tomar banho. Ele não atende e ela repete o chamado (aqui, é proibido "repetir de novo"). Se o moleque continuar ignorando, ela repetirá de novo o chamado e isso estará correto. Portanto, nem tudo que parece pleonasmo efetivamente o é.
Maravilhosa Língua Portuguesa, companheira de doces reflexões nos sinais fechados da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário